O apoio à Cultura em Mato Grosso está na contramão do desenvolvimento.
Sempre encontro uma reação de surpresa quando digo que a Produção Cultural em países como França, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Estados Unidos é, em boa parte realizada com o apoio de Leis de Incentivo. Os americanos possuem inclusive uma agência federal, a National Endowment for the Arts, que desde 1965 ajuda a tirar do papel projetos de cinema, teatro, música e literatura, entre tantas áreas do fazer artístico. No Brasil, como se sabe, o Ministério da Cultura, através da Lei Rouanet e da lei do Audiovisual, é o maior fomentador da Produção Cultural brasileira. As Leis e Fundos Estaduais e Municipais também são uma parte importante do processo. Não são mecanismos perfeitos, podem e devem ser aperfeiçoados. Mas aqui, quero deixar essa ótima discussão um pouco de lado para tratar de uma questão um pouco mais urgente para nós, mato-grossenses.
"Qual é a justificativa para essa redução? Qual é a conta que faz mais dinheiro pro estado virar menos investimento em Cultura? Não é coerente"
Em uma conversa informal com um Conselheiro Estadual de Cultura, consegui alguns dados sintomáticos da atenção destinada ao apoio a Produção Cultural pelo Governo do Estado. Segundo ele, em 2007, os recursos eram da ordem de 16 milhões. Em 2009, foram 9 milhões. Em 2011, o valor caiu para 6,5 milhões. No ano passado, uma nova queda trouxe o valor para 5,8 milhões. Esse ano, o valor disponibilizado é de 4,8 milhões. Um terço do que existia seis anos atrás. Parece pouco. Mas é pior. Junto com esses dados, veio a informação de que por conta de um contingenciamento de recursos nas secretarias, o valor real a ser garantido é de 2,6 milhões. O restante ainda não se sabe de onde virá. Ou seja, existe o risco de que o Produtor Cultural, mesmo tendo seu projeto aprovado pelo Conselho, corra o risco de não receber o recurso. Isso é perigoso.
Sendo reais, esses dados revelam que o apoio a Cultura em Mato Grosso não está apenas na contramão da história. Está na contramão do desenvolvimento do estado, que de 2003 a 2011 viu seu PIB crescer 130,55%. Esse crescimento é destacado com orgulho no Plano Plurianual 2012 - 2015 publicado pelo Governo do Estado, através da sua Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral. Nesse mesmo Plano, a partir da página 246, vemos o Programa de Valorização e Promoção da Cultura, que com suas ações de Apoio a Projetos Culturais, tem o compromisso de disponibilizar pouco mais de R$ 23 milhões nesses cinco anos – ou 4,6 milhões por ano. Considerando-se o que existia em 2007, é pouco. Muito pouco.
Qual é a justificativa para essa redução? Qual é a conta que faz mais dinheiro pro estado virar menos investimento em Cultura? Não é coerente.
Cultura é business. Gera emprego e renda, fomenta a economia. Vemos isso com clareza em outros países e em outros estados. Quando se diz isso, existe o argumento caolho de que outros estados são mais ricos do que Mato Grosso. Por isso, a título de comparação, podemos colocar lado a lado os PIBs de Mato Grosso e Pernambuco, por exemplo. O estado nordestino atingiu 95 bilhões de acordo com o IBGE, enquanto nosso resultado foi de 64 bilhões – aproximadamente 70% do PIB pernambucano. Historicamente, existe coerência nesses números, Pernambuco sempre foi um estado mais rico.
Já na área Cultural, a coisa fica desproporcional. Vemos uma dedicação absurdamente superior dos governantes pernambucanos ao apoio a produção. Ano passado, durante o Festival de Cinema do Recife, vi acontecer uma movimentação para que o valor destinado as produções audiovisuais fosse incrementado. Os pernambucanos não estavam satisfeitos com os “parcos” 13 milhões colocados a disposição – apenas para cinema e vídeo. Quando ouvi isso, senti vergonha ao lembrar que os produtores culturais mato-grossenses lutariam para multiplicar menos da metade desse valor para atender todos os setores culturais do estado – música, teatro, dança, literatura, audiovisual, entre outros.
Existe uma diferença muito grande na forma como esses dois estados enxergam a cultura. E isso se reflete na formação dos seus cidadãos, na sua valorização pessoal, sua identidade e história. Estar em Recife e Olinda é estar em constante contato com peças, produtos, eventos e manifestações da cultura e história pernambucana. Estar em Cuiabá hoje em dia é se ver cercado de ausência. Festival de Cinema de Cuiabá. Ausente. Cine Teatro. Ausente.
Como produtor cultural, nem sempre produzi com patrocínio. Mas com certeza sou muito grato as oportunidades que tive de trabalhar com o apoio da Lei de Incentivo Hermes de Abreu, do Fundo Estadual de Cultura e do Conselho. Foram quatro projetos – um vídeo e três filmes – que tem sua força não nos prêmios que ganharam, mas sim nos profissionais que ali trabalharam, na retina de cada pessoa tocada pelas imagens, e no registro de nós mesmos – talvez essa, a maior importância de qualquer produção cultural.
Ainda guri, vi meus primeiros filmes nas poltronas do Cine Teatro. Projetei meus primeiros trabalhos nas telas do Festival de Cinema de Cuiabá. Só faço cultura hoje porque um dia me vi cercado por ela. E por tudo isso, sou tomado agora por uma triste constatação. Estamos perdendo a chance de ver nascer outros artistas, novas obras, canções e histórias. Arte e Cultura sempre existirão. O artista o é e pronto. Mas sem mercado, não há vida. O incentivo é normal e necessário para o agronegócio, para a indústria, para a Copa. Tem que ser normal e necessário para a Cultura também.
Em tempos de debate sobre um Plano Municipal de Cultura e possível fusão de Secretaria – que todos sabemos ser um passo arriscado – acredito ser importante também buscar ampliar a visão dos nossos gestores públicos municipais e estaduais para essa questão. Apoiar a Cultura de um povo não é favor. É, antes de tudo, uma grande oportunidade para qualquer governante que deseje construir um legado que seja digno de memória.
BRUNO BINI é publicitário, cineasta e produtor cultural.