Livro traz dados do Ipea sobre pontos de cultura no Brasil
As discussões a respeito das políticas culturais se ampliaram e ganharam em profundidade no Brasil dos últimos anos. No livro "Cultura Viva - Avaliação do 'Programa Arte Cultura e Cidadania - Cultura Viva" é possível conhecer um exercício de efetivo exame de um dos programas centrais do Ministério da Cultura, conduzido pela Secretaria de Cidadania Cultural (SCC/ MINC).
Apesar dos inúmeros pontos positivos do programa, o leitor poderá encontrar na reflexão ali presente uma cesta de desafios que pode muito bem ser estendida a outras políticas com desenhos similares.
A avaliação constatou que o Estado brasileiro ainda não tem instrumentos adequados para suportar, de maneira efetiva, políticas com o desenho e forma de execução do "Programa Arte Cultura e Cidadania- Cultura Viva" e que, portanto, é necessário capacitá-lo, dotando-o de instrumentos jurídicos e de gestão adequados para que o programa persiga objetivos da cidadania cultural.
Dessa maneira, a avaliação do "Programa Arte Cultura e Cidadania" manteve a referência aos objetivos do programa que tratam de objetivos situacionais, ou seja, que se referem a mudanças de valores, crenças, disposições e formas com as quais os atores sociais percebem sua atuação política, social e cultural, e também se referiu aos resultados do programa, ou seja, se referiu às capacidades do programa em manter uma linha clara de atuação na obtenção de certos efeitos na vida cultural do seu público-alvo.
Por outro lado, em contraste com esse primeiro conjunto, a avaliação indagou sobre as qualidades da ação pública e de sua capacidade de coordenar e obter cooperação entre os atores envolvidos no programa.
Conforme o relatório final, "o Programa Arte Cultura e Cidadania - Cultura Viva contribui para o enfrentamento de problemas relativos às carências de instrumentos e estímulos para a produção e circulação da expressão da cultura local, e também pode contornar o problema do isolamento das comunidades em relação às novas tecnologias e aos instrumentos de produção e educação artístico-culturais disponíveis em outros meios". Assim ficaram sintetizados o problema e objetivos do programa:
Problema: desvalorização da produção cultural dos grupos e comunidades e sua exclusão dos meios de produção, fruição e difusão cultural.
Objetivos: fortalecer o protagonismo cultural da sociedade brasileira, valorizando as iniciativas culturais de grupos e comunidades excluídas e ampliando o acesso aos bens culturais.
A partir dessas definições foi possível construir alguns indicadores para o acompanhamento do programa. Em geral os indicadores são substitutos de conceitos mais abstratos e pouco mensuráveis. Alguns indicadores são tangíveis (idade, sexo, escolaridade, remuneração, etc.) e outros intangíveis (protagonismo, auto-estima, cidadania, etc.), mas sempre devem procurar refletir com clareza os objetivos do programa ou da avaliação, condensando a complexidade das situações a medidas simplificadas.
O Ponto de Cultura Pau e Lata atua em nove núcleos diferentes em Natal
A partir daí, seguiram-se viagens para levantamento de dados em mais de 500 Pontos de Cultura distribuídos em aproximadamente 250 municípios brasileiros. Dentre os indicadores construídos para o acompanhamento da realização dos objetivos estão:
Indicador de esforço: Traduz em medida quantitativa o esforço operacional para a alocação de recursos humanos, físicos e financeiros
Indicador de infra-estrutura: Espécie no gênero dos indicadores de esforço enfatiza a disponibilidade e adequabilidade de instalações para a realização de certas atividades
Indicador de acessibilidade: Afere a capacidade potencial de oferecer condições de acesso a bens, serviços e espaços culturais
Indicador de sustentabilidade: Afere os graus de estruturação das instituições, grupos e movimentos sociais para gerenciamento de atividades, recursos humanos ou financeiros
Indicador de participação: Afere o grau de envolvimento das pessoas em relação aos processos decisórios de política e programas;
Indicador de inclusão econômica: Afere a capacidade potencial de oferecer a pessoas o acesso a recursos econômicos
Esse conjunto de indicadores selecionados para o programa oferece um quadro quantitativo que descreve de forma aproximada as ações do programa em termos de recursos e resultados.
Ninho do Sol: ponto de cultura da Terra dos Parecis
Avaliação dos pontos de cultura
Esse conjunto de indicadores diz respeito não às atividades da SCC, mas dos resultados indiretos referidos à sua atuação. Dessa maneira, pode-se dizer que o programa possibilitou acesso a recursos para que 526 pontos (conveniados até dezembro de 2007) desenvolvessem atividades durante três anos, sendo que 16% estavam com atividades suspensas, não haviam iniciado atividades ou estavam desativados.
O programa foi responsável direto pela ampliação das atividades culturais realizadas pelos pontos. Embora 63% dos espaços físicos já existissem antes disto, entre bibliotecas, discotecas, brinquedotecas, salas de aulas etc., 37% derivaram do processo de conveniamento e, portanto, de indução por parte do poder público.
Os indicadores de esforço mostraram que o programa ampliou muito o número de pessoas envolvidas com os processos relacionados a políticas públicas culturais, pois o número de pessoas que trabalhava nos pontos de cultura ultrapassava a cifra de quatro mil pessoas ou a média de 11 pessoas por ponto, sendo que 1.507 eram voluntários e 2.574 eram remunerados. Esse número supera em muito, mesmo que se deva considerar a natureza diferencial dos objetivos e limites das instituições, o esforço feito por várias das instituições federais de cultura no que se refere á mobilização de recursos humanos. E ainda se deve considerar o baixo valor relativo da iniciativa que desembolsa para cada ponto de cultura em torno de R$ 180 mil reais em três anos.
Quanto ao número de freqüentadores deve-se dizer que, embora não seja exata e tradicionalmente um indicador de esforço, dadas as características do programa, que procura envolver as comunidades nas atividades culturais, agrupou-se esse indicador de freqüência como espécie do gênero indicador de esforço. Também aqui se vê os impactos do programa no dia-a-dia da vida cultural: os freqüentadores habituais dos pontos ultrapassam o número de 124 mil pessoas. Os esporádicos ultrapassam a casa de 1 milhão de pessoas.
O indicador de infra-estrutura indica a necessidade de reformas para 32% dos pontos de cultura, ou seja, aponta a inadequação de muitos dos pontos ou de seus espaços.
O mesmo vale para os indicadores de acessibilidade que revelaram problemas na acessibilidade aos pontos por razões da situação do entorno (percepção da violência) ou por razões de infra-estrutura urbana (transportes caros ou insuficientes). Também é revelador que os pontos de cultura não tenham desenvolvido sensibilidade à acessibilidade do portador de necessidades especiais, fato indicado pelos problemas de acesso em 35% dos pontos. Aqui deve ser enfatizado que esse problema foi sub-registrado, pois a resposta partiu da percepção subjetiva dos entrevistados, que nem sempre consideraram com a propriedade necessária a questão da acessibilidade.
Os indicadores de sustentabilidade, por sua vez, revelaram que a fonte principal dos pontos de cultura é o próprio programa (74%), mas que os pontos mantêm relações com outras fontes de financiamento (83%) e mantêm relações estáveis com outras instituições (97%). Considerando que a cultura é um direito fundamental e que a proteção, incentivo e o desenvolvimento são deveres do Estado, parece que não há dificuldade em admitir que a sustentabilidade deva ser vista nesse contexto, isto é, da manutenção de políticas públicas como garantia de direitos, embora a mecânica de repasses e os critérios de escolha e alocação possam ser aperfeiçoados. No entanto, a sustentabilidade pode ser comprometida em razão dos atrasos dos repasses e da descontinuidade do fluxo de recursos. Essas questões foram exaustivamente levantadas e discutidas ao longo da pesquisa avaliativa.
As insuficiências dos processos participativos explicitam-se no fato de que a gestão compartilhada, mesmo sendo princípio e parte da democracia cultural, ainda enfrenta dificuldades em ser completamente realizada. Este argumento é reforçado pelos dados de participação das comunidades nos processos de planejamento quando se vislumbra que apenas 17% dos pontos incluem pessoas da comunidade no planejamento. De qualquer maneira deve-se enfatizar que 95% dos pontos têm mecanismo de planejamento do quais tomam parte a própria equipe.
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CULTURA VIVA: Avaliação do Programa Arte Educação e Cidadania
Ipea: 148 p.
Frederico A. Barbosa da Silva, Herton Ellery Araújo - Organizadores
Diretoria: DISOC
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