domingo, 23 de junho de 2013
Democracia: para refletir! - Jovens brasileiros estão mais longe do voto e da política tradicional
João, 17 anos, provocou:
— Você sabe o que é que está por trás disso tudo aí, né, pai?
Carlos Sampaio, 50 anos, deputado federal há uma década, esboçou uma resposta que levaria o filho a um passeio pelo palácio das suas memórias do impeachment de Fernando Collor, em 1992, quando se filiou ao PSDB paulista, até chegar à CPI dos Correios, onde 13 anos depois investigou o mensalão:
— Está tudo meio difuso — começou Carlos Sampaio. — É um pouco diferente de quando…
João cortou:
— Não, pai, você se engana. Não tem partido nisso aí, não. Tá todo mundo revoltado. Isso é contra corrupção, mensalão, passagem de ônibus, e por mais investimento em Saúde, Educação e Transporte. E, olha, eu vou pra lá…
As ruas de Campinas (SP) ganharam mais um manifestante. O deputado voltou a Brasília. Perplexo, viu o Congresso sitiado por milhares de pessoas, gritando em coro, como se estivessem rezando: “Só vamos parar/ quando a gente colocar/ 1 milhão,/ 3 milhões,/ 20 milhões/ aqui!/ Pra falar pra eles/ que não tá certo/ o que eles fazem/ com nosso dinheiro,/ com a nossa Saúde,/ com a nossa Educação”.
Líder do maior partido de oposição, o PSDB, na tarde seguinte Sampaio se rendeu diante do microfone do plenário:
— Eles têm toda a razão. O movimento é de indignação, é contra toda a classe política, os partidos e os governos. Façamos uma autocrítica: como é que este Congresso pode ser respeitado? Tenhamos vergonha na cara. Precisamos mudar, para reatar com a sociedade.
Evidências desse divórcio — o avanço do sentimento antipolítica e antipartidos tradicionais — espalharam-se pelas ruas nas últimas duas semanas, e se refletem nas mais recentes pesquisas sobre tendências dos eleitores realizadas pela Justiça Eleitoral e por institutos especializados.
O sistema é de democracia representativa, mas a onda de manifestações demonstra que os partidos perderam a vanguarda e o monopólio da ação política. Passaram a ter cada vez menos importância para 70 de cada cem eleitores, mostram as pesquisas.
Tem aumentado a cada eleição o número de pessoas que prefere não ir às urnas, vota em branco ou anula o voto. Foram 37 milhões na eleição municipal de outubro do ano passado. É quase um terço do eleitorado de 141 milhões de brasileiros. Equivale à população do Estado de São Paulo e ao dobro do Estado do Rio.
A indiferença predomina e se destaca entre os mais jovens, da faixa de 16 a 18 anos de idade, para quem o voto é facultativo. Eles somam 12 milhões — contingente do tamanho do eleitorado carioca e com peso suficiente para decidir, por exemplo, uma eleição presidencial. Mas decidiram se distanciar do processo eleitoral.
Há duas décadas, quando as ruas foram tomadas por manifestações pelo impeachment de Collor, eleitores dessa faixa etária eram donos de 3,6% do total de títulos eleitorais disponíveis. Agora, representam apenas 1,5% dos cadastrados para votar.
De cada cem jovens que já poderiam ser eleitores habilitados, somente 35 haviam se alistado até março, informa o Tribunal Superior Eleitoral.
No Estado do Rio, a situação piora: de cada cem, apenas 19 se interessaram pelo registro. Somam 420 mil desinteressados. É mais que o eleitorado de Niterói e quase igual ao de Nova Iguaçu.
— É realmente grave — pensa Letícia Sardas, presidente da Justiça Eleitoral no Rio. — Eles protestam muito mais que antes, e no entanto já não ligam para o título de eleitor, que é o passaporte para promover mudanças. É preciso canalizar essa energia do protesto para a construção política. Mas como fazer, se os partidos envelheceram tanto que não conseguem nem se conectar com o universo deles, que é a rede social?
— Aqui está acontecendo uma coisa assustadora — acrescenta a presidente do Tribunal Regional Eleitoral. — Quanto mais elitizado é o jovem de 16 a 18 anos, menor é o interesse dele pelo processo eleitoral. Estamos pesquisando as causas, mas já constatamos que os alunos das escolas municipais do interior do estado dão muito mais importância à participação do que estudantes da Zona Sul carioca, especialmente os das escolas bilíngues.
Comportamento similar existe no outro extremo do eleitorado, segundo a juíza, entre as pessoas com mais de 70 anos e que legalmente também não têm obrigação de votar. São 10,3 milhões no país. Desses, 1,1 milhão vive no Estado do Rio, somando 9,3% dos eleitores fluminenses. Cada vez mais, eles também estão deixando de ir às urnas.
A distância entre os partidos e as ruas pauta o cotidiano do Legislativo. Nesta semana, enquanto o Congresso foi duas vezes sitiado por uma multidão indignada, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), comandava uma delegação de líderes partidários em passeio no verão de Moscou. Estava na companhia de Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo; Eduardo Cunha (PMDB-RJ); Ronaldo Caiado (DEM-GO); Rubens Bueno (PPS-PR); Felipe Maia (DEM-RN); Bruno Araújo (PSDB-PE) e Fábio Ramalho (PV-MG).
No intervalo entre os cercos, a Câmara dos Deputados inscreveu entre prioridades de votação um requerimento (número 7.956) para enviar comissão parlamentar a Santa Cruz do Arari, no arquipélago do Marajó. Com a seguinte missão: acompanhar acontecimentos decorrentes da decisão da prefeitura que determinou a caça de cães no município.
Enquanto isso, o Senado deixava o Plano Nacional de Educação completar seis meses dormente na pauta, sem votação.
A 1.300 quilômetros dali, no Rio, a Câmara municipal engavetava um pedido de CPI para investigar privilégios concedidos às empresas de transporte coletivo. Ao mesmo tempo, elegia a ilha de Taiwan como “irmã” da capital carioca e mantinha o ritmo de homenagens a amigos dos vereadores — a média foi de 110 moções semanais nos últimos 12 meses (oito vezes mais que a Assembleia).
— Agora, dá para entender o desinteresse das pessoas pelas eleições legislativas, não é? — comentou Paulo Pinheiro (PPS), 64 anos de idade, dos quais 17 alternados em mandatos de deputado estadual e de vereador. Na eleição de vereadores, ano passado, a média de votos em branco e nulos foi de 4,5%. As quatro maiores cidades registraram mais que o triplo disso: 19% em São Paulo, 17% no Rio e em Belo Horizonte, e 14% em Salvador. O número de pessoas que foi às urnas e não votou em ninguém, em 2012, equivale a duas vezes e meia o total de votos (3,3 milhões) obtidos por Fernando Haddad (PT), eleito prefeito de São Paulo. Esse contingente tem o dobro do tamanho do eleitorado da cidade do Rio — onde dez das maiores zonas eleitorais da Zona Sul-Centro registraram recordes de abstenção (média de 29%). Abstenção, claro, não deve ser integralmente associada a protesto político, mas nessa dimensão deu brilho à falta de interesse expressa pelos votos nulos e em branco.
Superada a perplexidade, governantes e chefes de partidos começaram a ensaiar um repertório de respostas. O tom inicial foi dado por Dilma Rousseff, noite de sexta-feira em Brasília, ao falar sobre a “construção de uma ampla e profunda reforma política”, para exorcizar logo a ideia de que os partidos são prescindíveis.
Há uma profusão de iniciativas sobre o tema nas gavetas do Congresso, o que levou dirigentes de PT, PSDB e PDT, entre outros, a avançar nas últimas três madrugadas em tertúlias sobre o nível de “radicalismo” aplicável a uma “reforma política”. Discutiram até a convocação de uma Constituinte exclusiva para mudanças no sistema de representação política, de tributação e de partilha de obrigações entre União, estados e municípios. Essa ideia havia sido patenteada em 1997 pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), em projeto apoiado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na época, como hoje, não se chegou a um consenso. Governantes e partidos continuam devendo respostas objetivas e imediatas sobre mudanças estruturais, que voltaram a ser reivindicadas na última quinzena.
E, assim, eles terminaram a semana com uma única certeza: foram todos atropelados pela História no meio das ruas do Brasil.
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