quarta-feira, 25 de maio de 2011

Carta dos Pontos de Cultura ao Governo Dilma

Movimentos sociais se unem em prol da Lei Cultura Viva

Quem somos?

“O Programa Cultura Viva, está na vanguarda das políticas públicas do Estado, ao reconhecer na sociedade e nas diversas expressões regionais e estéticas, a força necessária para revelar os ‘brasis’ ocultos ou excluídos. Este Programa revela o quanto do que chama ‘realidade’ é apenas uma versão da história.” Gilberto Gil, TEIA 2006.

Um movimento “coletivizante” e “coletivizador”. Uma “colagem de subjetividades”, onde “não há espectadores, somente interlocutores”. Um processo de “interreconhecimento” que gera uma “cultura cooperativa, solidária e transformadora”. Essas são algumas expressões que traduzem a atuação dos Pontos de Cultura no país.

Brasil adentro, os Pontos de Cultura atuam na resolução de conflitos, na renovação das paisagens urbanas, na preservação dos recursos naturais, na diversificação criativa da economia, no resgate de vidas, no revigoramento de comunidades inteiras, enfim, ofertam alternativas reais para a exclusão social, a degradação ambiental e a fragmentação cívica. E agora, trazem para o Estado seus conhecimentos vivos, vividos nas diversas realidades de um mesmo Brasil.

Que Brasil queremos?

Durante os governos que antecederam Lula, a política cultural do Brasil era pervertida em espetacularização. Uma cultura voltadapara o mercado, que rumava na onda capitalista marcada pelo imperativo do consumo, geradora da sociedade da abundância e do desperdício, onde até os sujeitos viram objetos. Enfim, a política cultural degradou-se em lazer massificante a serviço de um sistemacastrador, convertendo direitos adquiridos historicamente em meros serviços a serem comprados ou vendidos. Um mecanismo de reforço a um mercado para poucos, que a nada mais servia do que à homogeneização das diferenças culturais e à desintegração do social.

Atualmente, em termos das políticas de governo, ainda é visível um forte movimento em busca da estabilidade financeira e do crescimento econômico (com a administração das taxas de inflação e superávit fiscal) que, por vezes, parece esquecer do grandeatraso educacional, social e cultural que a maior parte dos brasileiros continua a enfrentar. Assim, notamos que um empenho ainda maior deve ser tomado pelo Estado no âmbito da cultura, da educação, da ciência, da saúde e do meio ambiente (todas áreas primordiais para qualquer país no século XXI) nosentido de aliar efetivamente crescimento econômico com o pleno desenvolvimento humano da população.

Atos pelo Abaixo-assinado da Lei


A força da Cultura

Na ausência de amplo acesso aos bens e serviços culturais, a exclusão ultrapassa o aspecto material, produzindo outras marginalidades imensuráveis, afastando as pessoas de sua capacidade de imaginar, conhecer, partilhar, experimentar, inovar e pertencer, enfim, da democracia cultural.

A produção artística e as manifestações culturais estimulam o que há de mais poderoso nas pessoas: sua criatividade, imaginação, alteridade e subjetividade. A partir dessa compreensão e do entendimento de cultura como direito e cidadania, o Programa Cultura Viva e a prática social dos Pontos de Cultura vieram contestar e questionar a categoria do econômico como norteador das políticas públicas, ao fortalecerem o caráter emancipatório e transformador das práticas da vida cotidiana dos historicamente marginalizados na periferia, da vida dos ora subalternos e excluídos.

Dessa maneira, a política cultural da gestão Gil/Juca libertou o imaginário e despertou o senso crítico de mais de 8,4 milhões de brasileiros (dados do IPEA/2010), suprindo as demandas e necessidades de grupos sociais antes pouco (ou nada)contemplados pelas políticas públicas, tais como: populações indígenas, ribeirinhas, rurais, camponesas e sem-terra, remanescentes quilombolas, comunidades de baixa renda, mulheres, crianças, adolescentes, jovens e idosos. Isso talvez tenha incomodado a ordem estabelecida pelos regimes desumanos de dominação e alienação.

Nesse sentido, não entendemos como (logo em seus primeiros dias) o governo cortou tanto os orçamentos de órgãos e programas fundamentais (socialmente, economicamente e estrategicamente), nem como o MinC se comportou de maneira tão pasma sobre tal ameaça. Não podemos mais aceitar que a cegueira financeira-burocrata pressionada em nome da “ordem” ataque com sua navalha áreas cujas contribuições ao pleno desenvolvimento são mais quepotenciais, urgem sobre qualquer “verdade” estabelecida.

Desafios do Programa Cultura Viva e do Governo Dilma

Os Pontos de Cultura vem ocupando espaços, criando demandas e apresentando proposições que dificilmente a estrutura estatal tradicional seria capaz de imaginar isoladamente.

Os maiores problemas do Programa Cultura Viva são (paradoxalmente) suas maiores virtudes, ao expor o caráter excludente do aparelho estatal, denunciando sua grave inadequação para dialogar e contemplar a sociedade. Assim, o Programa evidencia não somente que aqueles que atuavam isoladamente na sustentação da diversidade cultural necessitam do apoio e do reconhecimento do Estado, mas que este também necessita deles com a mesma urgência. Portanto, entendemos que a solução não se resume a meros ajustes formais e burocráticos.

Para desenvolvermos plenamente nossa democracia, são imprescindíveis políticas voltadas à descentralização, inclusão e democratização dos bens e serviços. Ao fazer de seus beneficiários os próprios formuladores e implementadores das ações, o Programa ressalta a produção de alternativas, metodologias, conexões e práticas inovadoras entre sociedade e Estado, representando desafios fundamentais à gestão pública: uma aposta inadiável na nossa criatividade.

A partir do Programa, o Estado começou a perceber as potencialidades criativas e inventivas do povo brasileiro, reconhecendo a importância das formas organizacionais populares como tecnologia social a ser apreendida e empreendida. Assim, mais do que uma ação de governo, o Cultura Viva se tornou um conceito de política pública, que deve ser replicado em todas as áreas de atuação governamental.

Neste sentido, o Ministério da Cultura deve agir com energia. Não somente em defesa do Programa Cultura Viva e da política cultural estabelecida no Plano Nacional de Cultura, mas, sobretudo, para sensibilizar órgãos como o Banco Central, o TCU, o Ministério do Planejamento e a Casa Civil, sobre a necessidade urgente de novos marcos regulatórios, que inovem os canais de diálogos entre Estado e sociedade, que compreendam a diversidade de realidades de nosso país-continente e, sobretudo, que viabilizem ações para e com a população. Somente com esta perspectiva de gestão participativa e compartilhada conseguiremos traçar novas linhas de desenvolvimento que efetivamente elevem as condições de qualidade de vida e de cidadania do povo brasileiro.

Sendo assim, não queremos simplesmente jogar a responsabilidade para o Estado e delegar a ele a competência de “dar um jeito” na situação. Isso representaria uma atitude de desrespeito a tudo que temosconstruído. Queremos compartilhar osproblemas e construir conjuntamente as soluções, uma vez que temos muitas das respostas e que o Estado precisa da nossa experiência para se aperfeiçoar, rumo a uma nova cultura democrática.

Portanto, a defesa do Cultura Viva não se trata de mera reivindicação inócua. Os Pontos de Cultura estão aqui para contribuir, construir junto com o Estado esse novo caminho aberto pelo governo Lula. E disso, nós não abriremos mão.

O que mais queremos?

- Aprovação da Lei Cultura Viva, da Lei Griô e implantação do PNC ainda neste semestre;

- Lançar o Programa “Minha Sede, Minha Vida” para os Pontos de Cultura, com ocupação de espaços públicos ociosos, doações de terrenos e financiamentos a fundo perdido da União;

- Prioridade para o Programa Cultura Viva, com aumento progressivo de investimentos ano a ano;

- Efetivar espaços e mecanismos para uma gestão compartilhada do MinC com os Pontos;

- Pagamento imediato aos contemplados pelo Programa em editais e premiações de 2010;

- Fim do descaso aos vencedores de editais e premiações em exercícios anteriores a 2010, que até hoje não conseguiram desenvolver suas ações. Propomos a constituição de uma comissãopartilhada (Jurídico do MinC e representantes dos Pontos) para solucionarmos prontamente esta questão;

- Anistiar os Pontos que tiveram suas prestações comprometidas pela não adequação à Lei 8.666;

- Aprofundamento da política de Cultura Digital;

- Encaminhamento do projeto de Reforma da Lei de Direitos Autorais ainda neste semestre;

- Criação de um comitê interministerial de estudos para replicação do Programa Cultura Viva (enquanto conceito de política pública) para outras áreas de atuação do Estado.


Texto fortemente inspirado no livro “Seminário Internacional do Programa Cultura Viva: Novos Mapas Conceituais”

Walter Cedro
Mamulengo Sem Fronteiras


Nenhum comentário: