Conhecer os mitos é aprender o segredo das origens dos fenômenos; e conhecer as origens dos fenômenos equivale a adquirir sobre as mesmas um poder mágico, graças ao qual é possível dominá-las, multiplicá-las ou reproduzi-las à vontade.
Neste caso, a mitologia que nos interessa é a grega, porque é dela que surgirá o Teatro, enquanto atividade estruturada e institucionalizada. Mas este processo é de longuíssima duração e se inicia em períodos arcaicos quando o homem grego acreditava que Zeus, a divindade suprema, deus da luz, era o rei dos deuses e dos homens.
Os deuses gregos eram antropomórficos, isto é, além da imortalidade e de poderes extraordinários, também possuíam a forma e o temperamento dos seres humanos, incluindo-se aí todos as nossas fraquezas e defeitos. Portanto, Zeus, o deus supremo, além de sua "esposa oficial" chamada Hera, apaixonou por muitas outras deusas, semideusas ou simples mortais, tendo com elas vários "filhos ilegítimos".
É a história de Dioniso, um destes filhos ilegítimos de Zeus, que nos interessa:
Dos amores de Zeus e Perséfone nasce o primeiro Dioniso, o preferido do pai e destinado a sucedê-lo no governo do mundo. Para proteger o filho dos ciúmes de sua esposa Hera, Zeus o entrega aos cuidados de Apolo, que o esconde.
Hera, mesmo assim, descobre o paradeiro do jovem Deus e encarrega os Titãs de matá-lo. Os Titãs esquartejam Dioniso, cozinham seus pedaços e os comem. Zeus, muito aborrecido, fulmina os Titãs e de suas cinzas nascem os homens. Fato que explica os dois lados existentes nos seres humanos - o bem e o mal. A nossa parte titânica é a matriz do mal, mas como os Titãs haviam comido os pedaços de Dioniso, possuímos também algo de bom.
Porém, os deuses são imortais e Dioniso não morre - ele renasce transformado. Como? Uma outra namorada de Zeus, a deusa Sêmele, salva-lhe o coração que ainda palpitava e engole-o tornando-se grávida do 2º Dioniso.
Hera, no entanto, continua vigilante e ao ter conhecimento das relações amorosas de Sêmele com o esposo, resolve eliminá-la. Hera se transforma em ama de Sêmele e a aconselha a pedir ao amante que se apresente em todo o seu esplendor. Zeus se apresenta com seus raios e trovões. O palácio de Sêmele se incendeia e ela morre carbonizada.
O feto, o futuro Dioniso 2, é salvo por Zeus que o retira do ventre da amante e o guarda em sua coxa até que se complete a gestação normal. Após o nascimento, temendo nova vingança de Hera, Zeus transforma o filho em bode e ele é levado para o monte Nisa, onde fica aos cuidados das ninfas e dos sátiros. Lá, no monte Nisa havia uma vasta vegetação de videiras. Quando Dioniso, já adolescente, espreme as frutinhas da uva e bebe seu suco em companhia dos sátiros (metade homem-metade animal) e das ninfas (princípio feminino) é criado o vinho. Embriagados começam a dançar e cantar.
Toda esta história além de fantástica é simbólica, isto é, ela guarda dentro de si inúmeros significados. Exemplificando:
1. Dioniso - Deus da vegetação - morre violentamente, mas, retorna à vida. Assim como toda semente que passa uma parte do ano embaixo da terra, Dioniso morre, renasce, frutifica, torna a morrer e retorna ciclicamente. A sua história reproduz as estações do ano: a época de semear, de esperar a semente germinar e finalmente a colheita.
2. O fato de Dioniso ser visto sob forma animal, como touro ou bode, representa a sua capacidade de transformação, assim como a da natureza.
Por Elza de Andrade